sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

O Que Significa Ser Invisível no Brasil

"Não é a maioria dos travestis ou transexuais que se prostitui!!! Esta é a parte mais visível,porque está nas ruas. Digo isso porque conheço uma infinidade de trans que trabalham em várias outras atividades,mas infelizmente como as pessoas não conhecem, acreditam que todas se prostituem. Os motivos que levam uma jovem trans ou travesti a se prostituir,são muitos e bem complexos.Muitas não são aceitas pela família, e como não tem referência acabam nas ruas, outras é por preguiça ou por falta da tal consciência política. O brasileiro de um modo geral tende a ser acomodado,quanto aos seus próprios direitos. Por isso muitas trans, ainda buscam a prostituição como forma de vida. Na europa a realidade das trans europeias é bem outra, só se prostitui quem realmente quer mesmo. Conheci trans que trabalhavam como garçonete, engenheira nuclear... É uma questão de referência e da realidade do país onde se vive.Lá eles respeitam a cidadã transexual,aqui infelizmente a realidade é diferente. Mas as trans brasileiras devem tomar consciência e começar a lutar pelos seus direitos, tanto no estudo quanto no trabalho, e não mais acreditar que a prostituição é o único que se tem para viver" (JAQUELLINE OLIVEIRA,LIDER DO GRUPO  ATREVIDA -RN, RECENTEMENTE O GRUPO COMEMOROU NO DIA 29 DE JANEIRO,DIA DA VISIBILIDADE TRANS, O DIREITO AO USO DO NOME SOCIAL)


Jacqueline Oliveira


O Dia da Visibilidade Trans surgiu em janeiro de 2004 por conta do lançamento da Campanha Nacional “Travesti e Respeito”, do Ministério da Saúde. Nesse dia 29, militantes e ativistas travestis, transexuais, transgêneros entraram no Congresso Nacional, em Brasília, para lançar nacionalmente a campanha.


Mas, quando se fala em visibilidade, o que se quer dizer com isso? Significa primariamente que travestis e transexuais continuam invisíveis do ponto de vista do respeito aos direitos e da dignidade tanto para o governo, quanto para a sociedade.

Infelizmente, há um sentimento generalizado de que toda vez que uma travesti ou uma mulher transexual aparecer na mídia, salvaguardando raras exceções, será para ridicularizá-las nos programas de humor que só o que fazem é reforçar o estereótipo e o preconceito de que elas são homens, invalidando suas identidades femininas ou como exibição em programas policialescos onde, geralmente, o apresentador fará o que a claque pede: transformará essa pessoa em peça de Jardim Zoológico ou Circo de Aberrações. Acostumada que está a sociedade a ver e associar travestis e transexuais ao mundo do crime, da farsa, do engano; e, tão logo, a jamais vê-las como vítimas, inclusive quando são elas as agredidas, estupradas ou assassinadas, nesse caso também a maioria dirá: “ah, mas era travesti, travesti é tudo puta mesmo! Tudo bandido!”, e todos consentirão com a cabeça embasados numa pretensa estatística universal que não dá direito de defesa à elas, de que transfobia é algo inexistente.

Aliás, o próprio termo “travesti” é frequentemente usado no masculino, e do mesmo modo a mídia prefere frisar o nome do RG dessas pessoas, como se o que elas pensam e a forma como preferem ser tratadas – no feminino: A travesti – não significasse nada, como se a língua devesse necessariamente ad eternum e ad nauseam ser utilizada para oprimir os sem voz. E como se o nome social fosse algo não importante, e o do RG fosse estritamente necessário para entendermos a matéria em questão.



Emanuelly Spyndhulla

Mas, se alguém se detiver um pouco sobre o tema, e pesquisar o que significa ser travesti ou transexual no Brasil, não dificilmente descobrirá que essas pessoas precisam estar sempre preparadas para receber sopapos, tapas, cusparadas, xingamentos, deboches e descrenças de todas as partes. É como ser uma ilha, rodeada de violência por todos os lados.

De um modo geral, vemos o desrespeito, as diárias agressões e a incompreensão por parte dos pais e da família. Em muitos casos são expulsas de suas casas ou forçadas a isso dado o histórico de violência. Sem ter onde morar, acabam tantas vezes caindo nas garras das cafetinas e cafetões que lhes oferecem um lugar para dormir em troca de trabalho: entenda aqui a prostituição.

Durante a vida escolar, geralmente verifica-se o fenômeno da evasão, já que a maioria acaba por não aguentar as agressões diárias vindas não apenas dos demais alunos, mas também daqueles que deveriam protegê-las: professores e gestores escolares que insistem em afirmar que a identidade de gênero que elas dizem possuir é inválida, mentirosa, fantasiosa, negando-se a trata-las pelo nome social.


Jarita Night Day


Sem escolaridade, tudo parece ficar extraordinariamente mais difícil quando o assunto é trabalho – que já é dificultado a qualquer uma, independente de estudo, pelo grande preconceito do empresariado que, de um modo geral, não quer em seu quadro de funcionários pessoas que a sociedade associa ao crime, ao errado, ao que se deve evitar.

Mesmo no serviço de saúde, também são pessoas desrespeitadas – ainda que nacionalmente o SUS indique que devam ser tratadas pelo nome social. Primeiro que há apenas 4 hospitais públicos em todo o país capazes de realizar a cirurgia de transgenitalização, onde pessoas transexuais esperam por anos pelo “privilégio” de que o governo as escolham para lhes devolver a dignidade roubada por um destino que lhes privou de ter um corpo ajustado de acordo com aquilo que necessitam e da forma como se enxergam. Endocrinologistas especializados nesse público também são raros (lembrando que hormônios são feitos pensando no corpo de pessoas não transexuais e, inclusive a bula dos mesmos não diz respeito às pessoas transexuais), o que força muitas dessas pessoas a se hormonizarem por conta própria, incorrendo em diversos riscos de saúde como tromboses e infartos. Mas são os hormônios que também trazem uma melhor percepção e aceitabilidade do próprio corpo, ao transformá-lo de acordo com o gênero exercido socialmente.

Em que pese nesse quadro também as demandas por cirurgias de retirada de silicone industrial do corpo de travestis, que raramente são atendidas. Nesse caso, é importante frisar que o silicone industrial não é feito para uso humano, mas pelo seu baixo preço e pela capacidade que proporciona “modelando” o corpo da usuária de forma a ganhar as formas femininas necessárias, muitas acabam se submetendo a esse procedimento ilegal.


Leka Costa


Também é preciso lembrar as incontáveis vítimas travestis e transexuais que morreram em função da transfobia generalizada por todo o país. Quem chorará pelas mortes delas? Mortas inclusive depois de mortas, já que a sociedade e os jornalistas continuam a trata-las pelo nome civil e pelo gênero masculino.

Inclusive, negar-lhes o gênero que exercem é corroborar a violência que sofrem ao serem expulsas de banheiros femininos, como se no masculino estivessem mais protegidas das agressões e estupros.

Dado esse panorama, fica agora esclarecido que nesse dia da visibilidade trans, o que se almeja é que esses cidadãos e cidadãs pagantes de impostos tenham suas necessidades respeitadas e conhecidas. E, que essa visibilidade se estenda para os demais dias do ano, já que ser travesti ou transexual é todo dia e, todo dia é dia de respeito e empatia pelo outro. 
*Daniela Andrade é mulher transexual e militante do Juntos LGBT

Fonte: Juntos!

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